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sábado, 19 de junho de 2010

A REVOLUÇÃO FRANCESA DE 1789


A CRISE DO REGIME ABSOLUTISTA
Na primeira metade do século XVIII, a França conheceu um período de desenvolvimento econômico. A agricultura e a produção manufatureira
aumentaram significativamente. Surgiram as primeiras indústrias de ferro ede carvão. 0 comércio internacional quadruplicou o seu volume. A burguesiacresceu e diversificou suas atividades e seus lucros, mas permaneceu às margens das decisões políticas do Estado absolutista, dominado pelaaristocracia (alto clero e alta nobreza).A expansão econômica foi acompanhada da alta dos preços, afetandoprincipalmente a nobreza, que vivia de rendimentos fixos, e a população rural. Para se defender, a aristocracia aumentou o nível de exploração sobreos camponeses, criando novos tributos e obrigações e passou a ocupar todosos cargos e postos administrativos do Estado, da Igreja e do Exército, impedindo a ascensão social e política até mesmo da alta burguesiafinanceira.Em conseqüência da reação aristocrática, cresceram as críticas aosfundamentos do Antigo Regime, levando a burguesia a aderir às idéias de filósofos iluministas como Montesquieu, Diderot e Rousseau que defendiam aigualdade de todos perante a lei, a tolerância religiosa e a livre expressãodo pensamento. Contra a sociedade de ordens e de privilégios do Antigo Regime, os iluministas sugeriam um governo (monarquia ou república)constitucional e parlamentar.Os economistas, como François Quesnay e Adam Smith, propunham o fim doMercantilismo e a adoção de uma política econômica liberal, sem a intervenção do Estado na produção e na circulação das mercadorias.Influenciada pelo Iluminismo, a burguesia reclamava igualdade jurídica com aaristocracia e liberdade individual de empreendimento e de lucro.Em 1756, no reinado de Luís XV (1715/1774), a França enfrentou, uma guerradesastrosa contra a Inglaterra - a Guerra dos Sete Anos (1756/1763) -iniciada na América, entre colonos franceses e ingleses, Derrotada, a França perdeu suas colônias americanas (o Canadá, a região do Rio Mississipi, aLuisiana, algumas ilhas das Antilhas), prejudicando a burguesia mercantil eenfraquecendo o Tesouro Real.A insatisfação da burguesia aumentou porque, mesmo sendo numero sa, instruída e abastada, achava-se impossibilitada de conseguir ascensão sociale participação política, devido à reação aristocrática. O historiador M.Florenzano assim descreve o que se passava: "De 1714 a 1789, todos os ministros, à exceção de três, foram aristocratas; os plebeus foram excluídosdos Parlamentos e das Intendências reais; na Igreja, todos os bispos earcebispos eram nobres, assim como os diretores de conventos, abadias, etc; no Exército, desde 1760, os oficiais não mais podiam serplebeus".(FLORENZANO, Modesto. As revoluções burguesas. São Paulo,Brasiliense, 1988, p. 23.).Ao subir ao trono em 1774, Luís XVI encontrou o Tesouro Real arruinado, o comércio colonial enfraquecido e grande descontentamento entre a burguesia,os "sans-culottes" (1) e os camponeses. Através de seu ministro Turgot,propôs mudanças no sentido de reduzir os gastos da 11 corte, libertar o comércio de taxas e de aduanas internas cobradas pelo Estado e porparticulares, aumentar os impostos sobre a terra incluindo a aristocracia ealiviar a carga fiscal dos camponeses.As tentativas de reforma fracassaram porque iam contra os interesses do alto clero e da nobreza e Turgot foi demitido. Ficou claro que, enquanto aaristocracia mantivesse seus poderes através dos Parlamentos do reino e doscargos administrativos, nenhuma decisão que contrariasse seus interesses poderia ser tomada.A situação do Tesouro Real agravou-se após 1778, ano em que a França entrouna guerra de independência norte-americana fornecendo aos colonossubstanciais ajuda em navios, armas, munições e soldados. Os sucessivos ministros nomeados por Luis XVI (Necker, Calonne e Brienne) nada conseguiramfazer para solucionar os problemas financeiros do país.Em março de 1788, as despesas do Estado francês com a Corte, aadministração, a justiça, o exército e a diplomacia estavam calculadas em 629 milhões de libras, enquanto que as receitas eram de 503 milhões,configurando um déficit de 126 milhões, ou seja, 20% do orçamento. Emsetembro, fracassou a tentativa do ministro Brienne em fazer uma reforma fiscal com a colaboração da monarquia. Em conseqüência o governo' entrounuma crise sem precedentes, envolvendo o rei, a nobreza, a burguesia e asclasses populares.DA ASSEMBLÉIA DOS ESTADOS GERAIS À ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE A bancarrota do Estado obrigou LUÍS XVI a demitir o ministro Brienne e anomear novamente Necker. Para obter sugestões, Necker sugeriu ao rei aconvocação dos "Estados Gerais", assembléia dos representantes do 121 22 e 32 Estados, que não se reunia desde 1614. (1) "sans-culottes" (tradução:"sem-calças): população pobre de Paris, formada pela massa de artesãos,aprendizes, lojistas, biscateiros e desempregados; teve importante participação nos acontecimentos revolucionários de 1789 a 1794".CARTA DE CONVOCAÇÃO DOS ESTADOS GERAIS EM VERSALHES:1789 Por ordem do Rei.Nosso amado e fiel. Temos necessidade do concurso de nossos fiéis súditos para nos ajudarem a superar todas as dificuldades em que nos achamos, comrelação ao estado de nossas finanças e para estabelecer, segundo os nossosdesejos, uma ordem constante e invariável em todas as partes do governo que interessam à felicidade dos nossos súditos e à prosperidade de nosso reino.Esses grandes motivos Nos determinaram a convocar a assembléia dos Estadosde todas as províncias sob nossa obediência, tanto para Nos aconselharem e Nos assistirem em todas as coisas que serão colocadas sob as suas vistas,quanto para fazer-Nos conhecer os desejos, e queixas de nossos povos, demaneira que, por mútua confiança e amor recíproco entre o Soberano e seus súditos, seja achado o mais rapidamente possível, um remédio eficaz para osmales do Estado e que os abusos de toda espécie sejam reformados eprevenidos. Dado em Versalhes, em 24 de janeiro de 1789. Assinado: Luis. Secretário: Laurent de Villedeuil. Ponte: MATTOSO, Kátia M. de Queiróz.Textos e Documentos para o estudo da História Contemporânea, 1789-1963.(Sã oPaulo, HUCITEC, Ed. da Universidade de São Paulo, 1977,).Decidiu-se que os Estados Gerais se reuniriam em 12 de maio de 1789,constituídos em "ordens" independentes cada uma com o mesmo número derepresentantes e votando separadamente, como em 1614. Com isso, a aristocracia calculava contar com os votos do 1o. Estado (o Clero) e do 2o.Estado (a Nobreza), contra um voto do 3o. Estado (a burguesia e o povo emgeral), assumindo o controle de todas as decisões e és vaziando o poder do monarca. Seria a vitória da aristocracia sobre o Rei e sobre a burguesia.A convocação para a eleição dos membros dos Estados Gerais trouxe grandesexpectativas ao Terceiro Estado. Panfletos e jornais circulavam pelas praças, esquinas e cafés difundindo as palavras de ordem criadas pelosiluministas como: "cidadão", "nação", "contrato social", "vontade geral","direito do homem", As discussões e os debates ocorriam nos clubes patrióticos, nas sociedades literárias e nas lojas maçônicas existentes nascidades francesas, colaborando para a politização de seus membros e para aformação de opiniões.0 abade Sieyés foi autor de vários opúsculos que contribuíram para criar a consciência revolucionária do Terceiro Estado. No panfleto "Qu 'est-ce quele Tiers Etat", ele fez progredir o debate sobre a 1 forma de convocação dosEstados Gerais, quando indagava: 0 que é o Terceiro Estado? - Tudo. 0 que ele foi até agora na ordem política? - Nada. - 0 que ele quer? Tornar-sealguma coisa." (CHAUSSINAND GARET, Guy. A queda da Bastilha. Rio de Janeiro,Zahar, 1988, p.35).Representando cerca de 97% da população do país, o Terceiro Estado conseguiu aumentar sua participação nos Estados Gerais, elegendo 1 610 deputados (ametade da Assembléia), oriundos das fileiras da burguesia (advogados,comerciantes, proprietários rurais, banqueiros), a elas se social que tinha um projeto político para substituir o absolutismo, baseado nos princípiosiluministas da igualdade perante a lei e do liberalismo político eeconômico.A massa da população, formada por artesão, diaristas pequenos comerciantes, músicos, aprendizes, etc, não participou das eleições, pois só podiam -votar aqueles que tivessem o ofício ou emprego público, grau universitárioou de mestre de corporação e que pagassem pelos menos seis libras de imposto de capitação.Para expor seus desejos e suas queixas, os eleitores de cada uma das três"ordens" redigiram seus "Cadernos de Reclamações". De sua leituradepreende-se que o clero, a nobreza e a burguesia eram unânimes em reclamar a liberdade individual e o direito à propriedade, bem como a elaboração deuma constituição que definisse claramente os direitos do rei e os da nação,limitando assim o poder real. A nobreza e a burguesia queriam a liberdade de imprensa; o clero opunha-se à -burguesia e o povo em geral exigiam aabolição dos privilégios e dos direi tos feudais, contra os interesses doclero e da nobreza.CADERNO DE RECLAMAÇÕES DO TERCEIRO ESTADO DA PARÓQUIA DE LONGEY- ELEIÇÃO DE CHATEAUDUN, GENERALIDADE DE ÓRLEANS, BAILIA DO DE BLOIS.Nós, habitantes da paróquia de Longey abaixo-assinados, tendo nos reunido emvirtude das ordens do Rei, na sexta-feira, dia 6 do presente mês de maio de 1789, resolvemos o que segue:Pedimos que todos os privilégios sejam abolidos.- Declaramos que se alguémmerece ter privilégios e gozar de isenções, são estes, sem contradição, oshabitantes do campo, pois são os mais Úteis ao Estado, porque por seu trabalho o fazem viver.Que até hoje foram quase os únicos a pagar os exorbitantes impostos de queesta província está carregada; que os campos estão - arruinados e oscultivadores na impossibilidade de poder manter e criar sua família; que à maior parte falta o pão, visto os impostos que os sobrecarregam e as perdasque experimentam todos os anos, seja pela caça, seja por outros flagelos.Pedimos também que as talhas com as quais a nossa paróquia esta sobrecarregada sejam abolidas; que este imposto que nos oprime, e que só épago pelos infelizes, seja convertido num só e único imposto ao qual devemser submetidos todos os eclesiásticos e nobres sem distinção, e que o produto deste imposto seja levado diretamente ao Tesouro. *Pedimos ainda quenão haja mais gabela e que o sal se torne comerciável, o que seria um grandebenefício para todo o povo e principalmente para nós, habitantes do campo, que pagamos esta mercadoria muito caro e que dela fazemos o maior consumo umimposto que nos e muito oneroso e prejudicial. (Seguem-se 12 assinaturas. )(Mattoso, Kátia M. de Q., op. cit. p. 4/5.)A instalação da Assembléia dos Estados Gerais deu-se a 5 de maio de 1789, emVersalhes. Os desentendimentos entre os deputados começaram quando aburguesia propôs o voto por cabeça e as duas ordens privilegiadas não concordaram. Durante um mês e meio, a nobreza e o alto clero recusaram-seobstinadamente a votar por cabeça. Diante do impasse, no dia 17 de junho, osdeputados do Terceiro Estado apoiados pelo baixo clero proclamaram- se em Assembléia Nacional, decidindo não se separar antes de dotar a França de umaconstituição. Isso significa vã a transferência do poder do rei para osrepresentantes da nação e o fim do absolutismo monárquico.Frente ao perigo que representava o poder da burguesia na AssembléiaNacional Constituinte, a aristocracia recompôs-se com o rei, pregando autilização da força para dissolver a Assembléia. Mas a revolução popular impediu que isso acontecesse.


Autores: Olga Maria A. Fonseca Coulon e Fábio Costa PedroApostila: Dos Estados Nacionais à Primeira Guerra Mundial, 1995, CP1-UFMG

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